O BOBO
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Categoria hospedeira: Programação
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in Ciclo do mês
DIA 24 ABR | 21H30 | IPDJ
O BOBO
José Álvaro Morais, PT, 1987,120’, M/12
Sinopse, ficha técnica e trailer: aqui
notas
Um dos títulos maiores do cinema português, entrelaça várias linhas narrativas que o realizador gere com grande mestria – o ensaio de uma adaptação teatral do romance O Bobo de Alexandre Herculano; a articulação entre o presente (o Portugal pós-revolução de Abril) e o passado histórico (a fundação da nacionalidade; a queda do império); a vida dos intérpretes no quotidiano, entre as intrigas políticas e os enredos amorosos. - Leopardo Filmes
O projecto inicial deste filme, uma adaptação de O Bobo de Alexandre Herculano, tornou-se, com o tempo, uma reflexão sobre a obra literária e a sua representação contemporânea. O filme é fascinante, porque reflecte, na sua construção, a passagem do tempo (acossado por inúmeras dificuldades de produção, o processo de feitura do filme foi longuíssimo) e as transformações da sociedade portuguesa nos anos a seguir ao 25 de Abril de 1974. Um filme fundamental na cinematografia portuguesa dos últimos 30 anos. - Cinemateca Portuguesa
(...) Mas afinal é o quê, O Bobo? Impossível defini-lo ou descrevê-lo em poucas palavras. Digamos, simplificadamente, que é uma “perspectiva” sobre Portugal e sobre a sua história (e também sobre a “portugalidade”, enquanto condição inerente aos seres humanos que vivem nesse país e se inscrevem no fluxo dessa história), com ponto de partida na peça homónima de Herculano, que já de si era uma “perspectiva” sobre a fundação da nacionalidade. “Ponto de partida”, dissemos: se a peça de Herculano está em O Bobo (como “teatro no filme”, simultaneamente integrado na narrativa e mantido à distância necessária para funcionar como “comentário”) está sobretudo o seu princípio, diríamos, dessacralizador – que desapossa a história, ou sobretudo as figuras históricas, de virtudes teleológicas e prescientes para lhes devolver a individualidade e a casualidade de seres humanos apanhados num movimento com que têm que aprender a lidar (e que não suspende, antes pelo contrário, as suas fraquezas, as suas paixões, as suas indecisões). Ou seja, uma ideia “fatalista”, no sentido lato do “fatalismo”: não uma simples entrega “abandonada” ao destino, mas a noção de que o destino (a “História”) apanha os indivíduos, envolve-os, condicionando as suas possibilidades de acção e reacção (mas oferecendo-lhes, assim, uma possibilidade de definição). De algum modo, portanto, O Bobo tem qualquer coisa a ver com a grande tradição romanesca e, em termos estritamente cinematográficos, com a melhor tradição melodramática. Se a parte teatral remete para um tempo remoto e codificado, as partes contemporâneas mais não propõe do que um enorme encadeado entre uma série de destinos individuais e um grande, chamemos-lhe assim, destino colectivo: Portugal nos anos a seguir a 1974.
(..) O Bobo, limitemo-nos para terminar a enunciar algumas das muitas coisas que fazem dele um extraordinário filme; a estrutura narrativa, sustentada quase inteiramente num diálogo (ora em “in” ora em “off”) entre as personagens de Fernando Heitor e Paula Guedes (O Bobo, no seu coração, é a história de um casal); a maneira subtil e alusiva, em todo o caso nada sublinhada nem sobrecarregada, como a história contemporânea e recente habita o filme, por vezes (como na cena inicial com o carro e os polícias, num décor “falso” e artificioso) remetida para um espaço quase tão codificado e teatral como o das cenas com a peça de Herculano; a extraordinária concepção da montagem, capaz de criar uma continuidade entre tempos diferentes que acaba por ser unificada por uma espécie de “tempo mental”, que compreende a própria memória (os planos de “recordação”, como aquele que se repete, de Paula Guedes, junto ao Tejo, a correr para o pai), como se a narrativa de O Bobo fosse da ordem do “fluxo de consciência”; ou ainda a vivacidade magoada da mise en scène de José Álvaro (a maneira como as personagens ocupam os planos; os movimentos dos actores e os movimentos da câmara), como se O Bobo se regesse pela pauta de um musical, triste mas, vá lá, em allegretto. Luís Miguel Oliveira – Folha de sala Cinemateca Portuguesa