Mataram o Pianista
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Categoria hospedeira: Programação
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in Ciclo do mês
IPDJ | 21H30
DIA 20 JUNHO
MATARAM O PIANISTA
Fernando Trueba e Javier Mariscal, FR/NL/PE/PT/ES, 2023, 103’, M/12
sinopse, ficha técnica e trailer: aqui
notas de realização
Eu gosto de jazz. Gosto de música brasileira.
Há cerca de quatro anos, enquanto ouvia um disco da década de 1960, a melodia do piano chamou-me a atenção. Olhei para a capa do álbum e encontrei um nome que não significava nada para mim: Tenório Jr. Tentei saber mais sobre ele, se ele tinha algum álbum em seu nome. Sim, em 1966, aos vinte e cinco anos, gravou um disco chamado “Embalo”, que já estava esgotado há muito tempo.
Quase 40 anos se passaram. O que ele fez desde então? O que aconteceu com ele?
Através da internet descobri que ele já tinha colaborado em vários discos com artistas diversos: Milton Nascimento, Gal Costa, Egberto Gismonti, entre outros, mas os últimos eram de 1975. Há 30 anos atrás…
Foi quando me deparei com a sua história.
Tenório faleceu em março de 76, aos 35 anos. Na verdade, não se pode dizer que ele morreu. Ele simplesmente desapareceu. Esteve em Buenos Aires a acompanhar Vinicius de Moraes e Toquinho. Na noite a seguir ao último espétaculo, saiu para a rua e ninguém mais o viu.
Eu não pude acreditar. Um pianista brasileiro que desaparece na Argentina? Porquê?
Tentei descobrir mais. Tenório saiu para comprar uma sandes – uns dizem cigarro, outros medicamentos, outros...
Eram 2 da manhã do dia 18 de Março. Seis dias antes do golpe militar. Mas o golpe do dia 24 foi apenas o culminar oficial de algo que já estava nas ruas há algum tempo. O regime de Isabelita Perón dava os últimos suspiros e, nas ruas de Buenos Aires, grupos militares, paramilitares e guerrilheiros peronistas de extrema esquerda travavam uma guerra silenciosa e não declarada. Tiros, bombas, assassinatos, os primeiros “desaparecimentos”...
Mas o que tudo isso tem a ver com um pianista? Com um pianista brasileiro?
O desaparecimento de Tenório deixou os músicos brasileiros perplexos. Todos acharam que devia ser um erro. Tenório é uma pessoa sem ativismo político conhecido. Todos acreditavam que seria uma questão de dias até que Tenório reaparecesse. Era isso que todos no Rio de Janeiro esperavam. Principalmente uma pessoa, Carmen Cerqueira, esposa de Tenório. Eles tiveram quatro filhos e Carmen estava grávida de oito meses do quinto.
Finalmente consegui um exemplar de “Embalo”, que tinha sido reeditado no Japão. O álbum é fantástico. Nele tocam alguns dos maiores músicos do Brasil: Paulo Moura, Raúl de Souza, Milton Banana, J.T. Meirelles... Quando o disco foi gravado, Tenório ainda nem tinha completado 24 anos. Naquela época, ele ainda era um estudante de medicina que, à noite, revolucionava a música brasileira (ou seja, a música mundial) em alguns dos bares do já lendário e desaparecido “Beco das Garrafas”, onde se reuniam músicos para intermináveis jam sessions que moldaram a variante brasileira do jazz: o “Samba-jazz”, o aspeto instrumental da Bossa Nova.
Tom Jobim, João Gilberto, Baden Powell, Sergio Mendes, Luiz Eça, Deodato, etc... são alguns dos grandes protagonistas de uma época de ouro que colocou a música brasileira na vanguarda da música mundial. Tenório Júnior, com Luiz Eça e João Donato, formaram o triunvirato de grandes pianistas brasileiros.
Durante vários anos, viajei por diversos lugares do Brasil, da Argentina, dos Estados Unidos, da França... em busca de pessoas que pudessem contar-me sobre o Tenório, quem ele era, como ele era, contar coisas sobre a sua vida, a sua música, o seu trágico desaparecimento. Depois de mais de 150 horas de entrevistas com pessoas ligadas diretamente ao Tenório, um dia decidi começar a escrever o argumento de “MATARAM O PIANISTA”.
Escolho a animação como a linguagem mais adequada para recriar a sua vida, a sua música e a sua época.
Fernando Trueba
O Brasil da Bossa Nova
O movimento musical da Bossa Nova eclodiu no Brasil no final da década de 1950. Contemporânea da Nouvelle Vague francesa e do Hard-Bop americano, a Bossa Nova foi uma atualização e modernização do samba, que alterou para sempre a música popular brasileira e teve uma enorme influência no mundo.
Os seus antepassados foram João Gilberto, Vinicius de Moraes e Antonio Carlos Jobim. Numa rua sem saída de Copacabana conhecida como Beco das Garrafas, havia um quarteto de pequenos clubes que produziu toda uma geração de músicos: Luiz Eça e o Tamba Trío, Sérgio Mendes, Elis Regina, Baden Powell e muito mais.
Em meados da década de 1960, outros movimentos musicais influenciados pela Bossa Nova surgiram no Brasil: a MPB (Música Popular Brasileira) dos músicos Chico Buarque, Edu Lobo e outros; o movimento Tropicália composto por Gilberto Gil e Caetano Veloso; e o Clube da Esquina Collective formado por Milton Nascimento em Minais Gerais.
Embora a duração do movimento Bossa Nova tenha sido relativamente curta, a sua influência na música brasileira e na música mundial ainda pode ser sentida hoje. Foi uma época de ouro, como o período do Impressionismo na França, ou a geração de 27 na Espanha, que seduziu compositores e intérpretes musicais em todo o mundo, incluindo artistas norte-americanos como Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan e Coleman Hawkins. ... poucos são aqueles que conseguem resistir ao feitiço encantador da Bossa Nova.
notas críticas
Da ditadura e da bossa nova
De Nova Iorque ao Rio de Janeiro, passando por Buenos Aires, o novo filme de Fernando Trueba e Javier Mariscal investiga o desaparecimento, nos anos 70, de um músico da bossa nova. Animação invulgar e multifacetada, com título de nouvelle vague: Mataram o Pianista.
Um filme que quer ser, ao mesmo tempo, documentário, investigação, drama político e retrato musical? Não era fácil dar vida a Mataram o Pianista. Mas Fernando Trueba conseguiu-o, com a ajuda do designer Javier Mariscal (o mesmo que coassinou outra animação do realizador, Chico e Rita), mergulhando num capítulo da música brasileira que tem tanto de prazer sonoro como de memória trágica. O pianista do título é Francisco Tenório Júnior, e no centro de tudo está o seu misterioso desaparecimento em Buenos Aires, na década de 70, quando se deslocou à cidade para um concerto com a sua banda. Um quebra-cabeças que aqui se explora pela via do desenho animado, com traço forte e cores vibrantes.
Inês N. Lourenço, dn
Integrado na 6ª edição do EIIA, Encontros de Imagem animada do Algarve, parceria com a Direção Regional do Algarve do IPDJ - Instituto Português do Desporto e da Juventude, Escola Superior de Educação da Universidade do Algarve (UAlg - ESEC), Câmara Municipal de Faro, Plano Nacional de Cinema, Conservatório Regional do Algarve Maria Campina e Cooperativa de Produção COLA Animation