A Mãe e a Puta
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Categoria hospedeira: Programação
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in Ciclo do mês
5ªF - 1 DEZ | 17H | IPDJ
A MÃE E A PUTA
Jean Eustache, França, 1973, 220’, M/16
sinopse, ficha técnica e trailer: aqui
Antes de fazer este filme encontrava--me numa espécie de vínculo. Todos gostavam dos meus filmes. Recebia críticas muito boas e nenhuma me dava prejuízo. Mas ninguém me dava dinheiro para fazer outro.
O meu único financiamento até à data vinha do Godard, já tarde na rodagem e, depois de muita discussão, da ORTF, o emissor público, por serem documentários. Esta situação contraditória enfurecia-me. E essa fúria ajudou-me a escrever os diálogos de A Mãe e a Puta. Diálogos, ou talvez monólogos, sem estrutura de filmagem, empilhados diariamente para formar a base de um filme colossal com 5 a 6 horas de duração.
Essa fúria traduziu-se no facto de que o protagonista contrariava tudo o que as pessoas diziam e pensavam na época. Uma abordagem curiosa mas benéfica, creio. Não importa o grau de precisão ou aproximação do que ele diz. O que importa é a criatividade implantada pelo personagem, ou do escritor, talvez, para contradizer sistematicamente. No decorrer do processo, como em todos os paradoxos, há um elemento da verdade que é revelado. E esta sobrecarga leva o público a um ambiente fechado, específico para o personagem, que pode ser bastante alucinatório e sem comparação ao que normalmente é mostrado. Para dar uma ideia da necessidade para provocação que me move deveria mencionar que o título provisório era Du Pain et des Rolls. Pelo caminho, na filmagem e pós-produção, houve uma mudança, algo que raramente ocorreu na história do cinema, se se excluir a trilogia de Pagnol e Psycho de Hitchcock: um personagem invasivo e omnipresente rende-se a outro personagem, aqui interpretado por Françoise Lebrun, que se torna a principal protagonista do filme. Jean-Pierre Léaud, com a sua loquacidade desgastante, torna-se num ser frágil que depende inteiramente dela. Menos provocativa do que a de Léaud, e menos chamativa, a visão de vida de Françoise Lebrun é mais presente, mais espontânea, assim como bem mais invasiva. Traz uma nova dimensão ao filme.
Até agora, em França, era aplicado um imposto a cada filme, em função da sua duração, o que proibia a distribuição – e, muitas vezes, a produção – de filmes que levavam o seu tempo ou que não eram blockbusters. A supressão dessa taxa no final de 1972 permitiu o desenvolvimento da realização de cinema com base na duração, como o filme Out 1: Spectre, de Rivette.
A Mãe e a Puta tirou vantagem desta nova situação. Obviamente, a partir de quase quatro horas, momentos mais dramáticos podem ser separados daqueles onde nada acontece, que vão mais ao encontro do que acontece na vida real. Poderei até dizer que quatro horas é o mínimo e que cada corte que fiz para reduzir o filme até às três horas e meia me causou uma grande dor. E esse ambiente fechado ganhava mais força à medida que o filme se prolongava no tempo. Com cada segundo, o público separa-se mais da sua própria vida para entrar no mundo trágico dos personagens.
Já não se trata de tornar a realidade dos personagens credível ou não.
A duração significa que eles estão incontestavelmente lá.
É o único dos meus filmes onde o passado não assume um papel. Harmonizou-se com a vida que eu estava a viver na altura em que o filmei, por vezes igualando-a de uma forma trágica. O ritual também está ausente. A não ser que um ritual em gestação possa ser percepcionado nestes estilos de vida de Rive Gauche. Daqui a uns anos veremos. A não ser que as inflexões formais e o princípio do triângulo referenciem os rituais da tragédia clássica sob uma aparência moderna. É o único dos meus filmes que consigo odiar porque coloca-me frente a frente comigo mesmo, no presente. Nos meus outros filmes o meu passado protege-me.
Jean Eustache
críticas
(…) o cinema de Eustache devolve-nos esse carinho pela palavra (escrita e falada), desconhecido do medíocre linguajar que invadiu o nosso presente. João Lopes, Diário de Notícias
Tenho a impressão de viver com este filme desde que ele existe. Um dos melhores filmes franceses alguma vez feitos. Olivier Assayas
O maior filme já feito acerca do amor. Harmony Korine
Sincero, cru, comovente, elegante e emocionante, esta obra-prima finalmente se ergue das profundezas, de onde nos observou durante 50 anos… Gaspar Noé
Possivelmente o filme mais importante de 1973. The New York Times
O essencial das coisas. Ou o essencial do cinema, que vai dar ao mesmo. Luís M. Oliveira, Público ★★★★★
Sinceridade e fingimento, autenticidade e dissimulação, o filme tem tudo isso, em convulsão, caos, turbulência, linguagem terra a terra.
[...] “A Mãe e a Puta” é uma experiência de vida. Jorge Leitão Ramos, Expresso ★★★★★