A Minha Avó Trelotótó
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in Programação
5ªF | 18 NOV | IPDJ | 21H30
A MINHA AVÓ TRELOTÓTÓ
Catarina Ruivo, Portugal, 2018, 73'
PRESENÇA DA REALIZADORA - A CONFIRMAR
sinopse, ficha técnica e trailer:aqui
nota de intenções
Quando a minha avó morreu quis salvá-la, e filmá-la pareceu-me a única solução. Parti da ideia de que a ilusão do real no cinema é tão forte que ao filmar a ausência de um corpo, tornando visível o espaço que ele ocupava, consigo não só filmar a dor dessa ausência, mas também, materializar um ser, fazer existir um fantasma.
Comecei por filmar o seu quotidiano com aqueles que a rodearam e protegeram toda a vida e redescobri a vida no campo, onde ainda se faz pão em casa, mata coelhos para o jantar e o tempo tem uma duração diferente.
No sotão de sua casa encontrei uma arca cheia de cartas suas e do meu avô, que morreu jovem e que nunca conheci. Cartas para os pais quando foi viver para Moçambique com o meu avô em 1946, cartas de amor, cartas para mim.
Descobri uma nova intimidade com a minha avó, conheci os seus medos e desejos, vivi no mundo dela e ganhei um avô.
Através das suas cartas descobri Moçambique Colonial, no tempo em que era o paraíso, depois perdido, dos brancos. E porque os meus avôs eram pessoas de esquerda, nesta cartas encontrei não o racismo brutal dos criados negros mandados aos sipaios para serem castigados, que sabemos que existiu, mas o racismo de rosto humano, do dia a dia, “servido” entre o chá e as torradas, “...among the porcelain, among some talk of you and me” 1 , inscrito na linguagem, nos costumes, na organização social.
Fui a Africa, quis ver e filmar os sitios onde os meus avós viveram e foram felizes, não com um olhar saudosista, mas antes filmar a força da vida que não pára e constantemente se modifica, avança, regenera. Quis filmar como os lugares são ao mesmo tempo um espaço de memória e de transformação.
Fiz este filme para salvar a minha avó e em troca este filme salvou-me. Trabalhar com quem nunca tinha feito cinema fez-me descobrir novamente o cinema e devolveu-me intacta a minha vontade de filmar, que julgava perdida.
Catarina Ruivo
críticas
Quanto mais pessoal e particular for uma história, mais ela adquire uma aura de universalidade. Pode parecer paradoxal, mas esta lógica torna-se tanto mais clara neste filme de Catarina Ruivo – a cineasta portuguesa por detrás de obras como o comovente André Valente (2004) –, que com esta produção imortaliza no grande ecrã um dos membros mais especiais da sua família.
A avó, em todas as suas peculiaridades, histórias de vida, filosofias e relacionamentos, permeia cada segundo deste trabalho, mesmo quando ele devaneia pelas vidas daqueles que com ela contactavam. É o caso da sua empregada doméstica, do farmacêutico que a acompanhava, dos amigos que havia feito em África, continente em que viveu grandes trechos da vida. A realizadora compreende que pela ausência se vinca tanto mais uma presença; por isso, quando espreitamos as vidas preenchidas, animadas, cansativas destas "personagens secundárias", vemos na rotina, na tradição e na curiosidade o mesmo humanismo e amor à vida que sempre caracteriza a avó.
Todos os pormenores destas vidas são tão claramente autênticos e genuínos, particularidades de vidas que se entrecruzam e se dispersam, que é impossível não vermos nelas fragmentos das nossas próprias experiências. Entre a ficcional e o documental, o filme constrói, como uma lupa que sobre palavras faz ver uma frase, não só o percurso como a personalidade desta senhora. No conhecermos o seu caráter, reencontramos nele emoções, opiniões e vivências que nos nossos círculos, familiares e outros, já entrevimos. Não se trata de tentar generalizar um retrato como este, nem repetir aquela ideia-feita de que uma vida retrata toda uma época; trata-se antes de afirmar a plena humanidade de que este filme exubera.
Porque, como afirma a própria cineasta, A Minha Avó Trelotótó «não é um documentário sobre a minha avó mas um filme com a minha avó». Através de fotografias retiradas de álbuns de família e de imagens videográficas, é nos dada a conhecer esta "personagem" – mas é essencialmente pela voz da atriz Rita Durão, que lê as suas cartas, que vamos descobrindo o seu íntimo. E largas partes do filme nem se centram diretamente nela: pelo outro se desvenda o sujeito. Ao alargar assim o seu campo de visão, o filme enrobustece-se e atesta a sua maturidade como retrato de uma vida completa.
Não apenas devido a isso ele é lindíssimo. A câmara de Ruivo olha pelos cantos certos, faz jogos de sombra e luz impressionantes, é inventiva no modo como apresenta imagens documentais e as justapõe com imagens originais. A sua inspiração parece formar um híbrido entre a imaginação fantástica de Agnès Varda (principalmente no seu Les Plages d'Agnès), a seriedade poética de Chantal Akerman e a beleza documental de Jonas Mekas. Montado também pela realizadora, o filme delonga-se por momentos em salas de significativa importância, em praias e pinhais, em rostos memoráveis, num ritmo que nunca se perde mesmo com uma extensão de quase três horas. Mas o que são três horas para uma obra que quer fazer ressuscitar toda uma vida e uma pessoa?
★★★★
Guilherme F. Alcobia, C7nema