A Espera / L'Attesa
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Categoria hospedeira: 2019
28 MAI | IPDJ | 21h30 - A ESPERA, Piero Messina, Itália/França, 2015, 100', M/12
sinopse, festivais, trailer: aqui
Notas da crítica:
Duas actrizes notáveis dão corpo e alma a um “dueto de câmara” sobre mulheres em luto emocional. (...) A ESPERA transcende a mera demonstração de virtuosismo audiovisual para criar com grande justeza um ambiente abafado, quase viciado, uma espécie de “limbo emocional” onde se encontram duas mulheres unidas pelo desaparecimento de um mesmo homem. Público
Neste belo teatro feminino, Binoche dá-nos uma verdadeira mater dolorosa, e a câmara de Piero Messina trabalha o espaço com uma angústia exemplar. Diário de Notícias
A dor de uma mãe subjaz e esta deslumbrante primeira obra (…) este realizador debutante tem o potencial de se tornar uma das vozes mais proeminentes de Itália. Variety
Binoche-De Laâge, duas actrizes no seu auge, iluminam este belo filme. Na aridez do luto, elas conjugam as suas interpretações duma verdade insustentável. France Télévisions
Um jovem talento a acompanhar. Screen Daily
Binoche é, como sempre, mestre da sua arte. A forma como controla o aspecto mais diminuto da sua fisicalidade, do seu semblante, a sua disposição para actuar e afectar, é tecnicamente imaculada, criando um rosto repleto de pistas fascinantes, mesmo no seu estado mais imóvel. Film Stage
Nota do realizador
Tudo começou com uma memória de infância. É de noite e as ruas da minha vila estão cheias de gente. Ouvem-se gritos e choros, a tensão aumenta e todos são afectados por ela. A certa altura, a estátua que está a ser levado na procissão deixa de ser uma peça talhada em madeira e torna-se algo real para todos os presentes. É como se a partilha profunda desta experiência, dum pensamento, duma emoção, se transforme em algo gerador de uma verdade diferente, irracional, aparentemente impossível. E, lá no fundo, é o que acontece aos personagens do meu filme. Protegidas, mas também isoladas do mundo, Anna e Jeanne aguardam o regresso de Giuseppe. E ao fazê-lo, imaginam uma outra realidade que existe enquanto ambas a partilham. Surge assim uma intimidade silenciosa entre as duas mulheres. Quase inconscientemente, apegam-se uma à outra, tornam-se próximas no esforço de proteger e, ao mesmo tempo, reforçar uma verdade muito frágil. A verdade está lá, talvez tão perto que se torna invisível. Demasiado terrível para ser contemplada. E assim, elas perdemse, de certa forma, criam um parêntesis, um momento num tempo em que ainda há uma possibilidade. E, na verdade, a fé delas é na possibilidade, quase como se partilharem o mesmo pensamento lhe pudesse conferir realidade.
Piero Messina
Crítica
O cinema é dotado de uma linguagem, um dialeto que fora trabalhado em mais 100 anos de existência e que se compreende através do seu visual. Tornando-se, segundo a teoria mais básica e prática do funcionamento expressivo da Sétima Arte, no "ingrediente fundamental" da narrativa cinematográfica. Mas por vezes surgem filmes cuja verdadeira história faz-se através dos silêncios, do ausente, do que não é mostrado, nem em campo, nem sequer fora de campo, é a sugestão poética que é invocada em cada frame, em cada plano, em olhar e obviamente em cada gesto. E são filmes como este, A Espera, que nos fazem acreditar que o cinema é muito mais do que imagens, é sentimentos celebrados, neste exemplo, velados no recanto mais obscuro e ao mesmo tempo mais luminoso.
A primeira longa-metragem de Piero Messina recorre a um enredo tão minimalista que persegue em toda a sua duração; uma mãe de luto pela perda do seu filho, agora encarregue de revelar tal morte à namorada deste. Um objetivo constantemente procrastinado como representasse os "cinco minutos de Paraíso" entre uma mãe a fim de conviver com os últimos redutos da memória do seu "rebento". Messina trabalhou com Sorrentino em duas obras (incluindo o consagrado A Grande Beleza), sendo possível as comparações do seu visual com o seu anterior "mestre". E que visual apresenta! Como um quadro de Caravaggio, Messina aproveita a luz e as sombras para conceber um palco de ilusão, onde lutos são ocultados mas não desviados da nossa atenção, com efeito disto, o realizador tem na sua mão um exemplar tradicional em consolidação com a sofisticação da fotografia.
O tradicionalismo transmite uma carga poética que aufere uma sensação de "amarcord", neste caso a nostalgia constantemente referida. Se o "olhar" é importante na tradução narrativa da fita, a música transcreve esse ambiente em seu proveito. Com The Missing, de The XX, a conferir os créditos iniciais como um anunciado velório ou Leonard Cohen e o seu Waiting for a Miracle a perpetuar e relembrar o silencioso conflito que afronta a obra, nesta particular sequência envolvida numa dança sedutora como uma serpente e o seu flautista, é ditada por um jogo de olhares, uma envolvência que as duas personagens principais parecem compreender.
Aqui a cumplicidade é dita através do "não visto", com Juliette Binoche a compor uma mulher sofisticada, abalada pela perda, e cujo luto torna-se no seu lar de emoções, por outro lado, Lou de Laâge (a estrela de Respire, de Mélanie Laurent), é uma jovem involuntariamente presa a uma ilusão. As duas atrizes completam-se numa sincronia de gestos, como tal, basta apenas verificar a emocional cena em que Binoche adia a revelação e a reacção sublima de Laâge perante em tão doce e vil mentira.
Como se tudo fosse uma questão de esoterismo, o climax de A Espera é arrostado com a visita de fantasmas, ilusões, memórias, conforme quiserem descrever que operam como verdadeiros "Deus ex Machina" neste autêntico peso da confissão. Mas a verdade é que Piero Messina não possui preocupações com a linearidade da narrativa, apenas implica a forma como esta transcende à sua estrutura. Por outras palavras, existem dois filmes aqui. O orquestrado pelo visual e aquele que é dito por palavras mudas, esse, sim, a verdadeira obra nesta tão sublime pauta.
Hugo Gomes, c7nema.net