Manifesto

Colaborações 2020

 13 JUN | Associação 289 (ao ar livre) | 21h30

Entrada gratuita condicionada aos 40 lugares disponíveis
marcação obrigatória em associacao289@gmail.com

sinopse, ficha técnica e trailer aqui

crítica

Cate Blanchett interpreta 13 papéis num único filme
Começou por ser instalação de museu e acabou por dar origem a um filme: Manifesto é interpretado por Cate Blanchett num invulgar exercício de versatilidade e transfiguração.
Uma instalação exposta num museu poderá ser (também) um filme? Não haverá, por certo, uma resposta única, muito menos definitiva. Seja como for, o filme Manifesto (estreia-se hoje) propõe uma hipótese original, envolvente e motivadora. E tanto mais quanto nele encontramos 13 personagens interpretadas por Cate Blanchett - todas as 13, entenda-se.
Exposta, desde 2015, em vários museus da Europa, a instalação Manifesto, concebida pelo artista alemão Julian Rosefeldt - também realizador do filme -, começou por ser uma conjunto de cenas autónomas em que Cate Blanchett declama vários extratos de textos que entraram na história como manifesto(s) das mais variadas visões do mundo, da política, do trabalho artístico, das relações humanas.
A lista de textos escolhidos é longa e sugestiva, começando com as palavras do Manifesto do Partido Comunista, escritas por Karl Marx e Friedrich Engels em 1848, para desembocar nos preceitos técnicos e estéticos estabelecidos pelos cineastas dinamarqueses Lars von Trier e Thomas Vinterberg quando, em 1995, lançaram as bases do movimento Dogma.
Em qualquer caso, dizer que Blanchett "declama" tais textos é francamente insuficiente, para não dizer inadequado. Seguindo uma metodologia recheada de humor, Rosefeldt encena a atriz em situações e cenários que não estabelecem qualquer relação direta com os "conteúdos" dos manifestos citados. Assim, por exemplo: uma personagem sem abrigo deambula por uma grande zona de ruínas tecendo considerações sobre o situacionismo, citando, entre outros, Alexander Rodtschenko e Guy Debord; as palavras dos dadaístas, incluindo Tristan Tzara, Francis Picabia e Louis Aragon, são ditas por alguém que discursa durante uma cerimónia fúnebre; enfim, as memórias dos surrealistas, evocadas através do manifesto escrito por André Breton em 1924, surgem na boca de um fabricante de marionetas (com uma fascinante coleção de figuras da arte e da política concebida por Suse Wächter).
Cate Blanchett x 13
A multifacetada interpretação de Cate Blanchett é tanto mais surpreendente quanto valoriza a ironia do dispositivo montado por Rosefeldt. Outro exemplo particularmente feliz é aquele em que a atriz se desdobra em apresentadora de um jornal televisivo e repórter a intervir em direto: Blanchett evoca as linhas de força da arte conceptual e minimalista, não em tom de lição ou conferência, antes reproduzindo os automatismos de leitura de notícias e reportagem em contexto televisivo.
Daí também o divertido paradoxo de Manifesto. Não precisamos de conhecer ou reconhecer os textos evocados para sermos sensíveis ao seu apelo utópico. Todos nos falam de mundos mais ou menos alternativos em que, idealmente, as nossas linguagens teriam outra transparência e as relações entre os seres humanos seriam mais equilibradas. Ao mesmo tempo, descobrimo-los para além dos seus cenários "naturais", como se Rosefeldt nos quisesse dizer que é possível regressar a tais textos, não para os aplicar à letra, antes para relançarmos a sua energia de pensamento e os seus inusitados apelos emocionais.
Tendo em conta que este é um filme que, por assim dizer, nasceu no terreno dos museus, Manifesto pode também ser interpretado como um pedagógico exercício sobre as contaminações artísticas do nosso tempo. Afinal, é possível começar no domínio das artes plásticas e das instalações para desembocar no cinema. O cinema agradece a possibilidade de transgressão e transfiguração.
João Lopes, dn