Outono + O Que Arde

Festa do Cinema ao Ar Livre 2020

 5ª F - DIA 20 AGO | 21h45
Jardim da Alameda
lotação: 100 lugares

OUTONO, Marco Amaral, PT, 2014, 11'
O QUE ARDE, Olivier Laxe, ES/FR/LU, 2019, 85', M/12

sinopses, ficha técnicas, trailer: aqui

Entrevista ao realizador

O FOGO
A Galiza é uma das regiões da Europa mais afectadas pelos incêndios. Muitos são causados pelos relâmpagos ou por negligências diversas, mas na maioria dos casos, os incêndios são provocados: é o fogo que escapa aos camponeses quando o utilizam para regenerar a terra, o fogo que é usado como arma de protesto políticos, o fogo que requalifica a natureza dos terrenos, que faz disparar o preço da madeira, aquele que possibilita todos os anos aos políticos novos contractos de números astronómicos… As razões são diversas e toda a gente tem a sua parte de responsabilidade. A questão do fogo tornou- -se central. A opinião pública procura culpados, clama por sangue. E evidentemente que a figura do incendiário é uma das mais diabolizadas dos dias de hoje. Eu sou sempre interpelado quando a sociedade ostraciza um indivíduo. Fiz um filme sobre um homem, do qual sabemos desde a segunda cena, que foi condenado por ter provocado um incêndio. Seria culpado? Ter-se-á ele reconciliado com o mundo ou a natureza? Será ele profundamente reincidente? E se ele fosse mesmo inocente? Podemos pôr-nos todas as perguntas ao longo de todo o filme. Mas ao partilhar o quotidiano de Amador, de Benedicta, sua mãe, e dos seus animais, enfrentando os rigores do clima quando levam as vacas a pastar por montes e vales, ouvindo o ronronar da salamandra enquanto a chuva crepita sem parar por cima das suas cabeças, partilhamos a sua intimidade. Chegamos mesmo a gostar de Amador. A empatia instala-se, as perguntas dissolvem-se. Sentimos a sua inadaptação, o seu sofrimento contido, a sua cicatriz espiritual. “Se eles fazem sofrer, é porque sofrem”, diz Benedicta.
A GALIZA
Nasci em França, mas os meus pais são galegos. A primeira recordação que tenho dos Ancares data dos meus quatro anos. Como a maior parte dos emigrantes espanhóis, nós voltávamos todos os Verões a Espanha. O meu avô esperava-nos ao lado do seu burro para nos levar, com as bagagens, à casa situada ao fim de um longo caminho de cabras. Acedíamos então a um outro mundo, no coração das montanhas, onde as pessoas viviam numa digna e soberana submissão aos elementos. Numa humilde e doce aceitação da natureza de que dependiam e que lhes recordava quão efémeras eram as suas existências. São as atitudes face à vida que me marcaram como nunca. Vivi na Galiza dos meus seis aos meus 18 anos de vida, depois entre Barcelona e Londres, e em seguida em Marrocos durante dez anos. Mas a Galiza permaneceu sempre o meu lugar, a minha mira. Filmámos na aldeia dos meus avós, com aldeões que conheço desde a infância. Esta região nos confins da Europa é uma terra ambivalente, cheia de contrastes: doce e áspera, chuvosa e luminosa. E sobretudo, misteriosa. Quis captar a sua extrema beleza, uma beleza intensa e imprevisível, que não conhece a moderação.
AMADOR
Em cada um dos meus filmes, é o encontro com pessoas verdadeiras que me dá vontade de as filmar e de as fazer incarnar as minhas personagens. Shakib em VOUS ÊTES TOUS DES CAPITAINES e em MIMOSAS. E agora, Amador, em O QUE ARDE. Há uma verdade pungente no olhar melancólico e nos ombros caídos de Amador. Ele é belo e ao mesmo tempo, sentimos que sofre: uma sensibilidade à flor da pele. E o mundo actual é inapto a acolher a sua fragilidade. Amador, que faz de Amador, foi guarda florestal. Hoje ocupa-se dos animais doentes da floresta. Em espanhol, Amador significa “o que ama”. Conservei o seu nome verdadeiro para o meu personagem, um celibatário indomável das montanhas. Amador é o que ama e no entanto, é olhado por muitos como o que destrói, excepto por aqueles que não o julgam, a sua mãe e os seus animais. Amador é uma figura de expiação, um inocente (como Shakib em MIMOSAS), um inadaptado. O contra-senso do mundo, o sofrimento de uma natureza maltratada encontram neste homem um exutório.
BENEDICTA
Tal como com Amador, quis manter o seu nome verdadeiro que significa em espanhol “a que é bendita”. Benedicta foi também à sua maneira uma bênção para o nosso filme. Esta mulher de 83 anos! Quando Amador sai da prisão e se dirige directamente para casa da mãe, ela levanta a cabeça e pergunta-lhe “Tens fome?”, como se ele não tivesse saído da prisão, como se tivesse lá estado ainda na véspera, sentado em silêncio ao lado da salamandra. Benedicta ama Amador com um amor insondável. Seja ele culpado ou não, é filho dela e é só isso que conta. Ela é um pouco como a Galiza, uma “mátria”, mais que uma pátria. Para Benedicta e Amador foi a primeira experiência como actores de cinema. O equilíbrio é sempre difícil entre a pessoa e a personagem. Se o Amador do filme é quase o Amador da vida real, a Benedicta do filme é muito diferente da Benedicta da vida real. Ela era enérgica demais para este papel. Tive medo que o seu temperamento não levasse a uma conclusão apressada e redutora. Benedicta não seria então mais que uma mãe castradora e Amador um filho dominado. Mas curiosamente, após ter refreado a torrente de energia de Benedicta, aproximámo-nos mais ou menos da sua essência profunda. Foi a primeira vez que me acontece no cinema atingir a essência de uma pessoa… por um desvio.
Alambique Filmes

revista de imprensa

É realmente porque ela está incrivelmente presente, em toda a sua humidade e incandescência, frieza ou ardência, e em todos os seus matizes de cores, e não porque isso foi decretado por um cenário, ou construído peça a peça por um esteta, que a natureza pode aqui, verdadeiramente, voltar a ser um enigma.
Libération

A aparente simplicidade com que o filme alterna o majestoso e o banal, o monumental e o ínfimo, assinala uma garantia do olhar que a anterior ficção de Laxe, o belo MIMOSAS, não deixava antever.
Les Cahiers du Cinéma

Podemos saber exactamente qual o clímax a esperar da rural parábola rusticamente bela de Oliver Laxe, mas o seu poder sonhador e hipnótico reside na espera.
Variety

Laxe faz uma analogia entre a natureza e a natureza humana, ambas contendo em si o poder da destruição e da auto-destruição.
Cinema Scope

De uma beleza impressionante, meditativo, esquivo e contido no seu andamento.
Screen International

O resultado é um filme de uma beleza tão provocadora como hipnótica, simultaneamente apologia e refutação do fogo.
El Mundo